Colecção da Alfaia Agrícola de Estremoz


"AINDA BEM QUE NÃO PASSA DUM SONHO”

Subitamente, parece começar a falar-se, ou pelo menos o director do Museu Municipal de Estremoz, do Museu da Alfaia Agrícola de Estremoz.
Na realidade, houve tempo em que praticamente a qualquer colecção que se expunha, de forma mais ou menos púbica, se dava vulgarmente o nome de museu.
Mas a realidade actual é bem diferente, sendo a criação e funcionamento dos museus, com explicitação das suas funções e estrutura funcional que elas implicam suficientemente definidas para não permitir equívocos.
Efectivamente, a Colecção da Alfaia Agrícola de Estremoz (CAAE) representa um "espólio” suficientemente importante e significativo, quantitativa e qualitativamente, quer para o município de Estremoz, quer para a região do Alentejo em que estamos inseridos, poderia por isso, só por si, constituir objecto de um museu
Contudo, parece-me não ser viável, num município como Estremoz com os recursos que tem / não tem para a cultura, em particular para o(s) museu(s), e onde já existe um museu municipal, criar uma nova estrutura museológica tutelada pela autarquia. Assim, será melhor, porque mais adequado e eficaz, conceber a CAAE como um pólo museológico do Museu Municipal já existente, perspectiva mais coerente com as funções de um museu desta natureza (municipal), que se deve assumir do respectivo território, por isso polinuctear, tanto mais que, pela própria natureza do acervo da CAAE, a sua interpretação implica, inevitavelmente, a sua contextualização, a qual passa pelo território onde estes instrumentos de trabalho tiveram utilização. Por outro lado, é nesse território que ainda perduram inúmeros artefactos - azenhas, lagares de vinho e de azeite, moagens, eiras, montes com acento de lavoura, noras, ... - que interessava serem objecto de acção museológica.
São opções que se tomam, que definem um programa museológico, sobre o qual convirá ter ideias definidas, a fim de não se perder mais tempo que, no caso presente tem tido consequências desastrosas.
A segunda questão: o surgimento súbito de notícias relacionadas com a CAAE e o imóvel em que a mesma tem estado instalada, nomeadamente em jornais e na rádio.
Quem lê o artigo do Brados do Alentejo, de 13 de Maio - "Acervo do Museu da Alfaia Agrícola reabre ao público" - parece que a situação da CAAE e do respectivo imóvel que a tem "abrigado", outrora pertença da Federação Nacional dos Produtores de Trigo, é nova e, se calhar, inesperada.
Desde há vários anos que existem diagnósticos feitos (eu próprio elaborei um em 1994, o qual foi entregue ao Município de Estremoz) e até propostas de intervenção urgente, quer ao nível da conservação e preservação do acervo, quer do próprio edifício.
O que foi feito? Parece que nada ou, na melhor das hipóteses, muito pouco.
Desde a disposição de diversos elementos da colecção, de forma imprópria, até a falta de uma reserva que, para já não falar de ciência, o simples bom senso aconselharia, ou a mínima conservação do edifício, conforme se pode observar ao passar pelas rua Serpa Pinto e de S. Pedro, são inúmeras as situações que potencialmente e de facto iriam conduzir à degradação inevitável tanto do acervo como do imóvel.
Só a falta de conhecimento, por parte dos munícipes de Estremoz, da situação em que se encontra a CAAE, e do valor patrimonial que a mesma representa, tem permitido que ainda não se tenha criado um sentimento generalizado de indignação.
O próprio director do Museu Municipal dá-nos motivo de preocupação ao afirmar que "o acervo, de facto, não está nas melhores condições e será necessário realizar acções de recuperação, de limpeza, de desinfestação e estou preocupado com os couros e madeiras".
Basicamente os materiais que estão incorporados no acervo da CAAE são: madeira, couro, cortiça, metais, algumas fibras, incluindo tecidos. Existem ainda alguns elementos em corno e barro. De todos, os mais sensíveis do ponto de vista da conservação, os tecidos são os mais delicados. Será que a omissão do director do Museu em relação a peças desta natureza significa o seu desaparecimento, por degradação completa? E em relação aos couros e madeiras, conhecendo os cuidados a ter com a sua conservação, a situação de preocupação mencionada pelo director do Museu só é possível na sequência de um abandono total por período longo.
Mas falemos do futuro!
De novo, o director do Museu Municipal esclarece-nos nos que o acervo vai ser transferido, para um armazém junto aos silos (Agrigénese) em terrenos da antiga estação de caminho de ferro, mas confessa "que o seu sonho era que este (o acervo} fosse transferido para a "Casa das Fardas", situada junto ao castelo"...
Quando soube da notícia, ainda no mandato da Câmara anterior, até saudei a iniciativa, não por discordar da utilização do edifício da Rua Serpa Pinto, onde o acervo se encontra actualmente, o qual desde sempre esteve ligado à lavoura e faz parte da memória da cidade, memória essa que é necessário preservar nomeadamente através da requalificação de alguns imóveis, mas como situação limite para salvaguardar esse mesmo acervo. Há, portanto, que acautelar o processo de transferência do acervo, e a utilização do "novo" espaço, no qual é necessário prever diversas funcionalidades e equipamentos.
Quanto ao "'sonho" do director do Museu de instalar a CAAE na antiga "Casa das Fardas”, ainda bem que não passa dum sonho.
É evidente (?) que a concentração do património museológico fica muito mais "bonitinho" Mas... tem, por acaso, o senhor director, noção do valor e dos recursos necessários à recuperação da "Casa das Fardas", das entidades envolvidas, dos precedentes que já ocorreram? Parece que não, caso contrário o seu sonho arrisca-se a tomar num pesadelo.
Mas, mesmo sendo possível considerar esta hipótese, haveria vantagem na concentração do património museológico, tendo em conta a sua diversidade e especificidade?
Seria bom que, quem tem competência para toma decisões sobre o futuro da Colecção da Alfaia Agrícola tenha sensibilidade e a noção de que este acervo constitui um património colectivo. Que a acção museológica que tem esta colecção como objecto deve, necessariamente, envolver quantos estiveram na sua génese - incluindo doadores e depositantes dos elementos que compõem hoje o acervo, trabalhadores rurais e de outras profissões nele representadas.
Junho de 1010
Pedro Nunes da Silva

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