E agora senhor Isaurindo?


Não fossem as pernas, que há longo tempo o vêm incomodando, não eram os seus 76 anos, quase todos de duro e árduo trabalho, que o fariam parar, disse ao Brados do Alentejo, Isaurindo Jacinto Figueiredo.
Figura carismática do meio estremocense, com uma imagem bem vincada, a que uma tradicional jaqueta de cotim, o pequeno chapéu de feltro e a mala dos dinheiros a tiracolo, emprestavam uma nota nostálgica de tempos idos, o senhor Isaurindo, como carinhosamente todos os frequentadores do mercado de Estremoz o conhecem, começou a trabalhar aos 13 anos, devido à morte prematura de seu pai, e iniciou a venda no mercado no dia em que fez 14 anos. “Comecei a comprar uns ovos, umas galinhas, umas hortaliças, e depois vendia-os aqui”.
Na sua banca, primeiro na parte de cima do mercado onde durante a semana era a única, o senhor Isaurindo foi atendendo e cativando uma plêiade de clientes ao longo de décadas. [Curiosamente, essa banca foi Photo Nostalgia, no Brados 736, de 29 de Abril].
Os seus produtos, quer os hortícolas, quer os frutos, foram sempre de confiança. E, quando alguém perguntava por aalgo que ele não tinha, em especial os frutos mais exóticos ou de outras latitudes (muitas das vezes nem sequer sabia o que eram), ele não descansava enquanto não o encontrava e adquiria. Depois, logo que houvesse oportunidade, comunicava ao cliente – com alguma indisfarçável vaidade – “quando quiser 'isto' eu agora já tenho”. E eram estes pequenos (grandes) gestos que fidelizaram muitas dezenas de clientes, que ao longo dos anos se tornaram também seus amigos, entre os quais donos ou responsáveis de estabelecimentos da restauração, instituições ou simples anónimos.
No bulício dos mercados semanais de sábado, gente havia que, dos mais variados locais, incluindo a 'capital do reino', se deslocava propositadamente a Estremoz para comprar no senhor Isaurindo. Frutas, hortaliças, temperos, condutos, ovos... tudo o que imaginar se possa para aquele tipo de negócio.
Em Novembro de 1999 Brados do Alentejo [edição 483] iniciou a rubrica 'Gente Nossa' – pequenas estórias de vidas de gente da nossa região – com Isaurindo Figueiredo.
“Só me sinto bem aqui”, disse-nos então. Nunca tive um dia de férias porque “gosto muito daquilo que faço”. A respeito de dias de folga e descanso, foi peremptório: “não tenho mais que 10 dias de falha aqui: no dia do casamento dos meus filhos [tem três] e na morte do meu pai e da minha mãe”. “É a amizade que eu tenho pela clientela que me faz aqui estar”, e depois “habituei-me de tal maneira que só me sinto bem aqui” rematou.
Foram cerca de 63 anos de actividade ininterrupta, quer chovesse, estivesse frio de gelo ou calor de rachar. Sempre com aquele sorriso quase comprometido, o senhor Isaurindo foi atendendo clientes e fazendo amigos.
A saúde (a falta dela), em particular nas pernas; a pressão da sua família; a abertura de grandes supermercados – “as pessoas que ganham pouco vão ver se lá encontram mais barato, mesmo que seja mais ruim” – a crise e até algum 'crédito mal parado' – pois, pois, também ficou com alguns 'cães': “Não são muitos, mas são alguns”, confessa quase envergonhado – 'obrigaram' o senhor Isaurindo a encerrar, definitivamente, a banca mais antiga do mercado de Estremoz. Aconteceu no último dia de Maio de 2010. “Não é com gosto que deixo a actividade”, diz-nos com indisfarçável mágoa na voz.
“Só gostava de ter podido agradecer a todos os meus clientes, sem excepção nenhuma, o muito que me ajudaram”. Aqui ficam, em seu nome, senhor Isaurindo, esses agradecimentos. Eles, decerto, compreendem e vão aceitá-los com muito gosto.
E agora senhor Isaurindo?
Votos de que que esta nova etapa da sua vida lhe corra de feição. E vá aparecendo, pelo menos para dois dedos de conversa com os antigos colegas e, em especial, com os clientes/amigos.
Aproveite e descanse. Que bem o merece!
João Jaleca
Publicado também no nº 739 (10-6-2010)
Isaurindo Figueiredo, 8 de Julho de 2010

...e em Novembro de 1999

0 comentários:

Enviar um comentário